30/06/2025

Tempo perdido: após quase 27 anos, SuperVia deixará a concessão com trens malconservados e viagens demoradas

Por: Marcos Nunes
Fonte: O Globo
A SuperVia assumiu o transporte ferroviário de passageiros na Região
Metropolitana do Rio em novembro de 1998. Após quase 27 anos, a
concessionária deve entregar o serviço ao governo estadual até o fim de
setembro, como foi definido no acordo judicial assinado entre as partes em
dezembro de 2024. E vai devolvê-lo mais lento: o usuário hoje gasta mais tempo
dentro das composições do que na época em que a empresa venceu a licitação.
Em alguns casos, a diferença, para pior, chega a ser de 28 minutos, levando em
conta apenas os horários de pico. Não é só. Além de rodar com trens das
décadas de 50 e 60 do século passado em trechos não eletrificados, a
concessionária não conseguiu atingir a meta de dois milhões de usuários
transportados diariamente em cinco anos — estabelecida por Marcello Alencar,
que governou o estado entre 1995 e 1999.
Atualmente, são transportados em média 300 mil passageiros por dia — o
mesmo número de quase três décadas atrás. O tempo de viagem praticado em
1998 consta nos anexos do contrato de concessão. Segundo o documento, o
percurso da Estação Pedro II (Central do Brasil) até Santa Cruz era feito em 75
minutos. Hoje, o mesmo trajeto dura 98 minutos. No ramal Belford Roxo, a
distância entre o município da Baixada e a Central era vencida em 53 minutos,
contra os 64 da grade atual. Fechada, a antiga Estação Barão de Mauá, na
Leopoldina, era ponto de partida do ramal Gramacho, que, em 37 minutos,
avançava por trilho até a estação de mesmo nome. A viagem agora sai da Central
do Brasil e dura 59 minutos. Quem recorre às composições do ramal Japeri
perde ainda mais tempo: no fim da década de 90, o trem fazia o percurso até a
Central em 75 minutos, contra os atuais 103. A menor diferença ficou com
Deodoro, que passou de 40 minutos para 50.
— Ando de trem há mais de 30 anos. Antigamente era ruim, não tinha arcondicionado
nem nada. Mas o tempo de viagem parecia mesmo ser menor —
lembra a cuidadora Celeste Dorneles, de 58, usuária do ramal Japeri.
Valmir de Lemos, presidente do Sindicato dos Maquinistas, observa que o
maior tempo de viagem nos trens vem da obrigatoriedade de redução da
velocidade, que, por sua vez, se deve ao estado da via permanente — termo
técnico para definir instalações e equipamentos que permitem a passagem do
trem.
— Há problemas na via permanente e de sinalização. Os trilhos não estão em
bom estado, e há dormentes de madeira apodrecidos. Os trens têm de circular
entre 40 e 50 quilômetros por hora para que acidentes não ocorram — diz ele.
Opinião parecida tem o engenheiro ferroviário Hélio Suevo Rodrigues, vicepresidente
e diretor da Associação dos Engenheiros Ferroviários:
— Os trilhos de modo geral necessitam de substituições em trechos localizados.
Agora, a situação mais crítica se refere à substituição de dormentes. Com
restrições e dormentes podres, ocorre uma diminuição da velocidade
operacional. Não só pela via permanente, mas também pela decadência do
sistema de sinais e do furto de cabos. Tem certos trechos em que a velocidade
operacional dos trens é de 40 quilômetros por hora. Antes, dependendo do
trecho, chegava a 60km/h ou até 70km/h.
Problemas no caminho
A reportagem do GLOBO viajou por três semanas nas composições da
SuperVia, entre os últimos dias 6 e 25, por cinco ramais e três extensões. Além
do descontentamento dos passageiros, flagrou trens superlotados nos horários
de pico, aglomeração nas estações para esperar a abertura das portas, na
tentativa de encontrar um lugar para viajar sentado, e defeitos apresentados
durante as viagens.
Um deles aconteceu quase no fim do trajeto de uma composição que fazia a
ligação entre Central do Brasil e Belford Roxo, na noite do dia 6. Pouco após
sair da estação Coelho da Rocha, o trem parou a cerca de 600 metros de
distância da última estação do trecho. Quando as portas abriram, os passageiros
desceram e caminharam pelos trilhos para completar a viagem.
Outro sufoco foi no início da manhã do dia 17 de junho. Na décima estação do
trajeto, em Anchieta, a composição, que estava lotada, apresentou pane em uma
das portas dos vagões logo na partida, que seguiu aberta até duas estações
depois, em Deodoro. Lá, um funcionário fez a manutenção necessária.
Números da Agência Reguladora de Transportes Públicos do Rio de Janeiro
(Agetransp) revelam uma rotina de atrasos sobre trilhos. Em 2024, 4.990
viagens foram canceladas ou interrompidas por motivos não justificados em
todos os ramais e extensões. Em média, significa que foram registradas 13
ocorrências por dia no ano passado.
Uma das heranças que a SuperVia deixará será um cemitério ferroviário, onde
79 composições repousam enfileiradas num pátio entre o muro da estação de
Japeri, na Baixada Fluminense, e uma passarela. Um relatório feito pelo
Departamento Técnico de Patrimônio da Companhia Estadual de Transporte
e Logística, empresa pública que substituiu a Companhia Fluminense de Trens
Urbanos (Flumitrens), considerou-as inservíveis ou não operacionais. O
maquinário teve peças retiradas, como cabos de alta e baixa tensão, tubulações
do sistema de freio, componentes elétricos e portas.
As composições são das séries 500, 700 e 900, fabricadas entre os anos 70 e 80.
Para os moradores, a presença dos trens parados virou sinônimo de perigo.
Uma rápida olhada para o interior dos vagões, em sua maioria sem portas,
sugere que o movimento por lá é maior durante a noite — e, no mínimo,
suspeito. No interior de uma composição havia restos de utensílios usados no
consumo de crack. Do lado externo de outra, a frase “viva a maconha” foi
pichada com tinta preta.
— Durante a noite isso aqui fica perigoso. Tem muito assalto — confirma uma
moradora.
Em um pátio próximo da estação Deodoro, 113 vagões de composições antigas,
que transportavam passageiros pela extinta Flumitrens, aguardam algum
destino. Foram penhorados numa ação judicial de 1997, anterior à gestão da
SuperVia, originada por um pedido de indenização de uma mulher que caiu do
trem. Procurada, a Central Logística informou que os 79 trens de Japeri serão
retirados da lista de bens da SuperVia, e leiloados. Já no caso dos vagões um
acordo foi feito para que sejam leiloados e vendidos como sucata. O dinheiro
arrecadado vai servir para quitar parte do pagamento da indenização à vítima.
A SuperVia alega que o problema de portas abertas ocorre quando uma válvula
de segurança é acionada indevidamente. Quanto a trilhos e dormentes, a
empresa informa que a via é inspecionada segundo normas nacionais e
internacionais. E que, nos últimos 18 meses, foram substituídos mais de 45 mil
dormentes e 402 toneladas de trilhos. A concessionária diz que, após a
pandemia da Covid-19, enfrentou desafios por conta da diminuição de
passageiros e do aumento do furto de materiais. Por isso, foi obrigada a adaptar
intervalos e horários de partida.
Agora, o governo estuda como será a escolha da empresa que vai administrar o
sistema de trens e o modelo de gestão.